

.:::E-mail recebido em 25/10/2004:::.
Bininho,
Terminei, ontem, de ler o seu livro. Gostei demais. Você fala de uma maneira gostosa, que a gente lê sem sentir. De repente... acabou... Ficamos com aquele gostinho de "quero mais". Você foi muito modesto ao dizer "meu negócio é música, não tenho nenhuma pretensão literária". Devia ter. Ser escritor é como ser músico. É tocar a alma, o coração, a sensibilidade das pessoas e isso você conseguiu. Conseguiu como músico, agora como escritor. Não pare. Continue. Sei que ainda tem muitas coisas a contar... "causos", vivências, lembranças de uma vida rica de experiências...
Estarei, aqui, esperando para ir ao próximo lançamento.
Um beijo, Helena
PS: Um beijo para a Denis. Gostei muito dela. É um amor de pessoa.
PS2: Bininho, segue, abaixo, um texto muito interessante, Hábeas Pinho, que é uma petição em versos, na qual o advogado solicita a liberação de um violão, que fora apreendido numa noite de seresta. Achei que iria gostar. Quando o li, lembrei de você.
Um beijo,
Helena
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Hábeas Pinho
"Em Campina Grande, na Paraíba, em 1955, um grupo de boêmios fazia Serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão. Esse petitório ficou conhecido como "Habeas Pinho" e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste. Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito deputado estadual, prefeito de Campina Grande (cassado pela Revolução), senador da República, governador do Estado e deputado federal".
Vejamos a famosa petição:
HABEAS PINHO
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca
O instrumento do crime que se arrola
neste processo de contravenção
não é faca, revólver nem pistola,
é simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade
Não matou !
nem feriu
um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
de quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
dos menestréis de alma enternecida
que cantam as mágoas que povoam a vida
e sufocam suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
é sentimento vida e alegria,
é pureza é néctar que extasia,
é adorno espiritual do coração.
Seu viver como o nosso é transitório,
mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
e não para ser arquivo de cartório.
Mande soltá-lo pelo amor da noite
que se sente vazia em suas horas,
pra que volte a sentir o terno açoite
de suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
na certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.
Ronaldo Cunha Lima, advogado.
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O juiz Arthur Moura deu sua sentença no mesmo tom:
Para que eu não carregue
remorso no coração,
determino que se entregue
ao seu dono o violão.